quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Pesquisas investigam escolarização de adolescentes em conflito com a lei

Talita Mochiute


| talitamochiute@aprendiz.org.br

Adolescentes em conflito com a lei reconhecem a importância da escola para projetos futuros, mas não veem sentido nos estudos no presente. A frequência escolar está relacionada à decisão judicial. Esse é um dos diagnósticos de duas pesquisas de mestrado apresentadas em universidades públicas paulistas.

Joana D’Arc Teixeira, da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), investigou a trajetória escolar de 92 adolescentes internos de uma unidade da Fundação Casa (Ex-Febem), localizada no interior do estado de São Paulo. 66% deles cursavam as séries do Ensino Fundamental. O objetivo era analisar a história escolar antes da aplicação da medida de internação e na Unidade de Internação.

Já Ivani Ruela de Oliveira Silva, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Rio Claro, acompanhou o cotidiano escolar 5 adolescentes entre 15 e 17 anos em liberdade assistida, uma das medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para autores de ato infracional. A intenção era verificar como ocorria a inclusão desses jovens nas escolas de Americana, município paulista.

As interrupções dos estudos, a expulsão, a repetência, o abandono e a violência fazem parte dos relatos dos adolescentes, entrevistados por Joana, sobre sua trajetória escolar antes da internação.

Uma pesquisa, realizada pela Fundação Casa em 2006, com 1190 internos, mostrou que 41% dos adolescentes não estavam matriculados em escolas antes da internação. O percentual daqueles matriculados, mas não assíduos, foi de 29%. A principal razão apontada pelos entrevistados foi falta de interesse (37%). Ajudar a família (17%), indisciplina (13%) e envolvimento com drogas/crime (12%) também foram motivos mencionados.

Escolarização em regime de internação

“Aqui! Eu sou obrigado a estudar. Acho bom, pois aqui eu tenho que estudar e respeitar os professores”, afirmou o adolescente, 16 anos, estudante da 4ª série do Ensino Fundamental. “A escola aqui é igual a que tem no ‘mundão’, são as mesmas matérias e tem o mesmo tanto de aulas. O que é diferente, é o número de alunos, aqui é menor”, descreveu o estudante do 1 ª do Ensino Médio da Fundação Casa. Esses relatos, coletados pela pesquisadora da UFScar, apresentam as percepções sobre a escola dentro da instituição.

Segundo Joana, os jovens questionaram a organização escolar, a metodologia de ensino e a postura adotada pelos profissionais para exercer a autoridade. Na unidade estudada, as salas de aula tinham em média de 5 a 8 alunos. “Os jovens se perguntavam se não era possível apresentar um ensino de melhor qualidade com um número reduzido de alunos”, comenta Joana. Essas preocupações não apareceram nos relatos sobre a vivência escolar fora da instituição.

Já os professores entrevistados para o estudo destacaram a falta de preparação para lecionar nessas instituições. “É necessário e urgente políticas públicas que visem à formação de professores. Também é preciso elaborar propostas teórico-metodológicas de trabalho com os adolescentes”, ressalta Joana.

Para pesquisadora, os adolescentes prosseguem seus estudos dentro da instituição devido ao seu caráter compulsório e ao sistema de vigilância. “A escolarização faz parte do cumprimento da medida jurídica”. De acordo com Joana, a medida socioeducativa não consegue reconstruir o sentido da escola.

Dados da pesquisa da Fundação Casa revelam que 66% dos adolescentes concordam com a frase “A única coisa boa da escola é que ajuda o tempo passar mais rápido”. 64% também concordaram com a afirmação “aqui, se você não faz algum curso, você acaba se atrasando. Então para você não aumentar sua caminhada aqui, você acaba fazendo”.

“Esses jovens constituíram uma relação negativa com a escola. Essa relação é reiterada quando são inquiridos pelo sistema de justiça juvenil. Outra questão que se coloca é: como será a inserção desses jovens pós-internação?”, problematiza.

Escolarização em regime de liberdade assistida

Para o mestrado, Ivani mapeou o que ocorreu com 32 egressos em liberdade assistida da Unidade de Internação Provisória, do Núcleo de Atendimento Integrado de Americana (NAIA), órgão ligado à Fundação Casa. No ano letivo de 2007, todos se matricularam em escolas públicas, 4 no Ensino Fundamental regular, 11 no Ensino Médio regular, 14 no Ensino Fundamental e 3 no Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA).

“Quando visitamos as escolas onde esses adolescentes estavam matriculados, verificamos que apenas 5 deles frequentavam as aulas regularmente, 4 apresentavam frequência irregular, 21 estavam evadidos e 2 internados para tratamento de saúde”, descreve Ivani.

Segundo Ivani, que focou sua pesquisa nos 5 adolescentes com frequência regular, as falas dos alunos em liberdade assistida indicam que as relações pessoais com colegas e educadores são marcadas por conflitos e ambiguidade. “A escola é vista com um espaço para socialização. Não é percebida como uma instituição que participa da formação do jovem em suas dimensões pessoal, cultural, político e social. Para os entrevistados, a escola não é sentida no tempo presente, é percebida somente na relação com sua vida futura”.

Já o relato dos profissionais e colegas aponta as contradições: tratar igual, tratar diferente, contar que há alunos nesta situação, expulsar ou transferir ou aceitá-los e acolhê-los.

“As escolas, em geral, discriminam esses estudantes. Têm grande dificuldade para trabalhar com os alunos considerados ‘problema’. Para evitar a evasão e quebrar o ciclo da exclusão escolar, é preciso ter um olhar diferenciado para alunos nessa situação”, defende Ivani.

De acordo com o ECA, os adolescentes em liberdade assistida devem se matricular em uma instituição de ensino. A frequência e o aproveitamento escolar devem ser supervisionados por um orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente.

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