segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O professor passou cola
Como as falhas na segurança prejudicaram a avaliação que vale bônus para aqueles que ensinam melhor
ANA ARANHA

O Saresp, sistema de avaliação de matemática, língua portuguesa, história e geografia usado pelo governo do Estado de São Paulo, adotou uma prática inovadora: vincular a nota dos alunos ao salário dos professores. Trata-se do mais ousado programa educacional de remuneração por mérito no Brasil. Desde 2008, as equipes das escolas paulistas cujos alunos alcançam uma nota mínima recebem um bônus salarial no fim do ano. O objetivo é incentivar a meritocracia na educação e premiar as escolas que ensinam melhor seus alunos. O estímulo aos profissionais mais qualificados é um princípio louvável. Na prática, porém, a aplicação da prova tem revelado fragilidades. ÉPOCA descobriu pelo menos duas denúncias de fraude no Saresp.

Em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, uma inspetora afirma ter visto professores passar cola aos alunos na prova de matemática. Rozenaide Silveira, que trabalha na Escola Estadual Benedito Aparecido Tavares, conta que ouviu um aluno reclamando no corredor. “Ele disse que as professoras estavam ajudando a 8a série C”, afirma Rozenaide. Ela diz ter visto as professoras fazendo contas na lousa e conversando sobre as questões com os alunos. Seu relato foi confirmado por três alunos da turma. “A professora explicou como fazer os cálculos”, diz uma aluna. “Elas iam em cada mesa ajudar”, afirma outra. “Teve uma que eu nem chamei. Ela chegou, virou a página da prova e disse como resolver a questão. A prova estava difícil, acho que só acertei essa.” Rozenaide diz que avisou a coordenação e foi orientada a fazer “vistas grossas”. Ela registrou tudo em uma carta enviada à diretora.

Pelas regras do Saresp, para evitar fraudes, os professores são proibidos de acompanhar a prova de seus próprios alunos. Um sistema eletrônico distribui os profissionais por escolas diferentes. Mas ÉPOCA ouviu relatos de falhas nesse sistema. “Foi tudo desorganizado”, diz uma professora da capital. “Quando o aplicador faltava, entrava o professor da escola mesmo.”

Em São José dos Campos, interior de São Paulo, há outra suspeita de fraude. Um professor relatou o possível vazamento de um caderno de questões de língua portuguesa. Ele diz que recebeu o envelope com o lacre violado. “Tinha sido aberto e fechado de novo”, afirma. Ao conferir as provas, notou que faltava um caderno. “Foi destacado do gabarito. A ponta rasgada ainda estava presa no grampo.” Ele diz que avisou a direção da escola e enviou as provas à Secretaria de Educação. Segundo ele, as caixas com as provas, que deveriam estar lacradas, chegaram abertas à escola. A justificativa é que foi preciso verificar os envelopes, pois muitas escolas receberam caixas com provas trocadas. Na escola Lourdes Maria de Camargo, os cadernos de questão vieram grampeados a fichas de resposta que não correspondiam à prova. A escola Leonor Nunes Galvão recebeu, no lugar da prova de português, uma de matemática. A desorganização começou na semana anterior. Na véspera do Saresp, no dia 9, a Secretaria de Educação anunciou que a prova seria adiada por problemas na gráfica.

O secretário estadual da Educação, Paulo Renato Souza, afirma que os casos de fraude serão investigados. “Se o caderno vazado estivesse nos jornais, o exame seria cancelado”, afirma. “Nesse caso, é preciso investigar por onde ele circulou e cancelar nessas áreas.” No caso de Franco da Rocha, ele diz que a escola pode ficar sem nota. O Saresp recebeu R$ 7 milhões do governo do Estado para avaliar 4 milhões de alunos. Para incentivar o bom trabalho dos professores e a meritocracia, a credibilidade de um sistema assim não pode falhar – sob risco de transformar a rede de ensino em escola de fraude.
Edson Silva

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